Ouça a apresentação em áudio abaixo.
Nesta edição, o urbanista ipiauense arq. Elson Andrade, nos traz uma reflexão crítica sobre o processo socioeconômico da formação da cidade de Ilhéus e consequentemente, da região cacaueira.

As reflexões a seguir, tem como principal fonte histórica, a“Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”, especificamente sobre o estado da Bahia e publicado em 2 de julho de 1958. A obra, coordenada por Jurandyr Pires Ferreira e outros especialistas, fornece um estudo sistematizado da história regional, da geografia, da economia e da sociologia dos municípios baianos. As abordagens apresentadas detalham a origem e evolução histórica de diversas cidades, com a criação de distritos, freguesias e consequentemente a emancipação de municípios, as mudanças de nome e as alterações nas divisões territoriais, administrativas e judiciárias, frequentemente mencionados nos diversos decretos estaduais. Além disso, a enciclopédia descreve aspectos culturais, econômicoscomo a presença malgrada no comércio internacional via a cultura do cacau, a pecuária e o garimpo de diamantes, tendo como lastro, a vida cada vez mais urbana, da economia e política local,em especial, da cidade de Ilhéus na cacaueira região sul baiana.

A formação da cidade de Ilhéus está detalhada nas fontes, lastreada em registros históricos, remontando ao período das Capitanias Hereditárias no Brasil. A seguir vamos mergulhar num resumo histórico-econômico destacando a origem e a evolução da cidade de São Jorge dos “Ilhéos”.
Formação da Cidade de Ilhéus
- Capitania Hereditária: A história do município de Ilhéus, que ainda hoje mantém o nome da antiga capitania, teve início em 1534, quando o fidalgo português Jorge de Figueiredo Correia recebeu a Capitania de Ilhéus por Carta Régia de 25 de abril, assinada em Évora. A capitania tinha uma extensão de 50 léguas em todas as direções, começando na Ponta da Baía de Todos os Santos, no lado sul, e estendendo-se pela costa.
- Primeira Tentativa de Povoamento: Embora agraciado com privilégios e terras magníficas, Jorge de Figueiredo Correia, que foi o primeiro a inaugurar a maldita forma de exploração remota, que veio a se tornar uma tradição na região, ao preferir levar a vida na corte, em Portugal e enviou seu lugar o tenente, o espanhol Francisco Romero, para tomar posse. A armada de Romero ancorou em 29 de junho de 1535 na extremidade boreal da ilha de Tinharé, perto de um morro que foi batizado como São Paulo, onde ele imediatamente lançou os fundamentos de uma vila.
- Fundação da Vila de São Jorge (Localização Definitiva): Devido às más condições do local escolhido, Romero velejou para o sul e se estabeleceu na foz do rio Ilhéus. Ali, ele fundou uma nova povoação que denominou Vila de São Jorge, situada no topo do atual Morro de São Sebastião.
- Desenvolvimento Inicial: Construíram-se paliçadas para defesa contra os ataques dos nativos, e habitações de madeira e palha. A segunda tradição regional, se deu via planejamento inicial,o qual não foi seguido, resultando em ruas tortuosas. No centro, foi erguida uma capelinha dedicada a São Jorge. Reparem que não é de hoje, a cultura da estagnação, via auto sabotagem por meio da falta de crença no futuro, nas regras e ações, recheadasdedesordem,e falta de providências coletivas, substanciais.
- Primeiras Lavouras e Conflitos: Romero iniciou a colonização plantando as primeiras lavouras. Ele enfrentou grandes obstáculos, especialmente a resistência dos índios tupiniquins, mas posteriormente estabeleceu uma amizade duradoura com eles. Portanto, nossos reais inimigos nunca foram internos no sentido do combate propriamente dito, mais sim, pela desordem e falta de inteligência e propósito coletivo.
- Freguesia e Sucessão: A freguesia de São Jorge dos Ilhéus foi criada em 1556 pelo bispo primaz, D. Pera Fernandes Sardinha. Após Jorge de Figueiredo Correia, a capitania foi sucedida por seu filho, Jerônimo Alarcão (1552), e posteriormente vendida a Lucas Giraldes. Por fim, passou para a família Castro, até ser incorporada aos bens da Coroa em 1761 por D. José I.
- Outros Fatos Históricos Relevantes:
- Ilhéus foi atacada por corsários franceses no final do século XVI, sendo repelidos por forças comandadas por Antônio Fernandes, “o Catuçadas”.
- Em 1723, os jesuítas construíram uma igreja e um colégio.
- Em 1823, durante as lutas pela Independência, Ilhéus foi um ponto crucial de suprimento e organizou contingentes de tropas.
- Elevação a Cidade: A vila foi elevada à categoria de cidade pela Lei nº 2.187, de 28 de junho de 1881, sendo instalada em 14 de agosto do mesmo ano. Portanto, há cerca de 144 anos, Ilhéus vem batendo na mesma tecla. Se até então, não se desenvolveu a altura e proporção das oportunidades históricas, não foi por falta de tempo e privilégio geográfico.
- Origem do Topônimo: O nome “Ilhéus” deriva dos “ilhéus” ou ilhotes que afloram no mar em frente à cidade. Os mais notáveis são o “Ilhéu” (ao norte), Itaipim, Itapitanga e a Pedra da Rapa.
O município original de Ilhéus foi muito extenso, mas sofreu desmembramentos subsequentes, como a emancipação dos distritos de Coaraci, Itajuípe e Uruçuca em 1952, o que reduziu sua área territorial. Em 1950, a cidade de Ilhéus era a principal aglomeração urbana do município, com 22.593 habitantes, sendo a população estimada para 1957 em 37.000 habitantes. Hoje, é cognominada a “Capital do Cacau”. Em 1543, Ilhéus foi a 6ª. Cidade mais populosa do “Brasil” Colonial.

A criação e o desenvolvimento do município de Ilhéus, situado na Zona Cacaueira da Bahia, foram moldados por uma série de fatores cruciais que se estendem desde o início da colonização portuguesa até o florescimento da economia cacaueira no século XX.
Os principais fatores, do nosso subdesenvolvimento histórico, segundo as fontes, dividem-se em aspectos mal engendrados, político-administrativos, econômicos e sociais. É pois, como se dispor de um excelente computador, porém, sempre estivemos presos a um software pífio, desestruturado, sem propósito de resultado disponível a todos, e, de forma equânime. Daí, a concentração ser um dos pontos fracos, capaz de sermos atingidos e dominados facilmente por forasteiros, como podemos ver adiante, o avanço tributário dominado pelos exógenos burocratas e políticos da então capital baiana, vindas de Salvador.
Historicamente, Ilhéus teve tudo a seu favor para ter Salvador como um de seus municípios sob domínio econômico-político. Porém, a sociedade local, não foi capaz de ter corpo estrutural reagir ao ataque político fulminante advindo daquele grupo político da velha e ex-vizinha Bahia.
Fatores Políticos e Administrativos
A origem de Ilhéus está intrinsecamente ligada à tíbia estrutura administrativa colonial e à subsequente busca por autonomia local:
- Concessão da Capitania Hereditária (1534): O marco inicial foi a criação política da Capitania de Ilhéus em 1534, concedida ao fidalgo português Jorge de Figueiredo Correia por Carta Régia de D. João III, assinada em Évora. Esta decisão régia estabeleceu a base territorial e jurisdicional para o futuro município.
- Estabelecimento da Sede Administrativa (Vila de São Jorge): Após a primeira tentativa de povoamento falhar, o lugar-tenente de Correia, Francisco Romero, mudou-se para a foz do Rio Ilhéus, onde fundou a Vila de São Jorgeno atual Morro de São Sebastião. Este ato de fundação definiu o núcleo urbano da futura cidade.
- Estrutura Eclesiástica: A organização administrativa primitiva foi reforçada pela criação da Freguesia de São Jorge dos Ilhéus em 1556 pelo bispo primaz, D. Pera Fernandes Sardinha.
- Incorporação à Coroa: Após ser sucedida e vendida a várias famílias (como Jerônimo Alarcão, Lucas Giraldes e a família Castro), a Capitania foi incorporada aos bens da Coroa por D. José I em 1761.
- Criação do Distrito Militar (1736): A criação do Distrito Militar em 1736 demonstra a importância estratégica da localidade.
- Participação nas Lutas pela Independência (1823): O povo de Ilhéus teve um papel ativo nas lutas pela libertação nacional em 1823, tornando-se um dos pontos mais importantes para o suprimento de gêneros alimentícios e munições e organizando tropas para Cachoeira e Maragogipe.
- Emancipação e Elevação a Cidade: A elevação de vila à categoria de cidade ocorreu em 28 de junho de 1881, pela Lei n.º 2.187, sendo instalada em 14 de agosto do mesmo ano.
- Evolução da Arrecadação dos Entes da Federação: A crescente elevação da arrecadação tributária estadual, no território de Ilhéus, foi cada vez mais, sendo dominada pelo governo do estado, sediado em Salvador. Ao passo que as despesas municipais também cresciam acima da arrecadação própria.
Fatores Econômicos
O desenvolvimento de Ilhéus está intrinsecamente ligado a ciclos agrícolas de alta lucratividade, culminando na hegemonia do cacau:
- Incentivo Agrícola Inicial: Francisco Romero iniciou o trabalho de colonização plantando as primeiras lavouras.
- Ciclo do Açúcar (Início do Progresso): O progresso da capitania foi atraído pela montagem de engenhos de açúcar, o que ajudou a fixar a população e atrair famílias.
- Escravidão: Surpreendentemente, Ilhéus, não se tem comuns registros de que tenha se apoiado no sistema escravocrata como modelo de produção. A aparente vantagem social, que porém, não resultou numa economia liberal necessariamente. Talvez, umas das poucas regiões coloniais, com a economia local, que já tinha acesso ao um padrão monetário, mesmo que exógeno.
- Monocultura do Cacau (Base Econômica Principal): A cultura do cacaufoi durante muito tempo, a principal atividade econômica de Ilhéus, chegando a ser o principal municípioprodutor da Região e portanto, momentaneamente, o maior exportador de cacau do mundo. A monocultura do cacau foi impulsionada na região, tendo sido iniciada em 1746 por Antônio Dias Ribeiro, portanto, há 279 anos atrás.
- Atividade Portuária e Comercial: Ilhéus é considerada uma das principais praças comerciais do Estado. O Porto de Ilhéus, inaugurado em 1920, é essencial para escoar o cacau regional, para diversos mercados internacionais (Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica, entre outros), importadores, os quais, que chegam a auferir lucro cerca de mil vezes maior, o lucro dos tacanhos e desorganizados produtores locais, que iniciaram a produção-exportadora,do manjar dos “deuses” alheios.
- Diversificação Secundária: Outras culturas como côco-da-baía e mandioca também são produzidas, assim como abacaxi, cana-de-açúcar, milho e até arroz, inclusive, café, laranja e banana. A indústria, embora de pequena importância, inclui o beneficiamento de cacau (torta e manteiga) e a produção de aguardente e tijolos (barra de chocolate).
- Infraestrutura e Finanças: O intenso movimento bancáriodevera ter sido notável, com quatro matrizes de bancos e cinco agências, além da Caixa Econômica Federal. A Estrada de Ferro de Ilhéus liga a cidade a centros produtores como Itabuna, Itajuípe, Uruçuca e Ubaitaba, os quais deveriam facilitar o transporte de mercadorias ao porto.
- Alfabetização– De acordo com o Censo de 1950, das pessoas de cinco e mais anos foi de (113.487), quando e onde 41.750, declararam saber ler e escrever, sendo 23.920 do sexo masculino e 17.830 do feminino, total que corresponde a 36,8% da população daquela idade eram portanto minimamente alfabetizadas.

Fatores Sociais
O povoamento territorial, via expansão populacional foram fundamentais para a estabilidade e crescimento:
- Relações Indígenas: Inicialmente, houve grandes obstáculos causados pela reação dos índios Tupiniquins, mas Francisco Romero posteriormente estabeleceu uma duradoura amizade com eles. A catequese dos indígenas, liderada pelo Padre Manuel da Nóbrega em 1592, também colaborou para a colonização. Pelo jeito, em nome do desenvolvimento local, os índios abandonaram a visão Tupiniquin. Porém, a nossa mentalidade coletiva socioeconômica sustentável e duradoura, não tiveram a mesma sorte e consequente prosperidade.
- Crescimento Populacional: O incremento da população e a fixação de famílias portuguesas ocorreram em paralelo ao desenvolvimento econômico (montagem de engenhos de açúcar). A população estimada para a cidade em 1957 era de 37.000 habitantes.
- Localização e Recursos Naturais: A cidade foi estabelecida em um local com condições favoráveis na foz do rio Ilhéus. O nome “Ilhéus” deriva dos ilhéus ou ilhotes que afloram no mar em frente à cidade, como o Ilhéus, Itaipim, Itapitanga e a Pedra da Rapa.
- Saúde e Assistência Social: A cidade possui um clima ameno e salubre. E até oferece precariamente assistência médica e sanitária por meio de hospitais, maternidades, casas de saúde e ambulatórios, além de ser a sede do Setor n.º 10 do Departamento Nacional de Endemias Rurais.
- Cultura e Educação: A cidade é sede de Bispado (desde 1913) e possui diversas instituições educacionais, bibliotecas e associações sociais e culturais, as quais vem se destacando, embora muito aquém da sua real importância e potencialidades. Os cursos da Uesc, por exemplo, têm produzidos bons cérebros na advocacia, TI e engenharia, sociologia… porém, com realizações profissionais, longe de casa, infelizmente.
Ilhéus é portanto, um exemplo de cidade baiana cuja criação política (Capitania Hereditária) foi sustentada pela prosperidade agrícola (açúcar e, sobretudo, cacau), permitindo-lhe evoluir de uma simples vila (São Jorge) para um centro urbano e portuário de importância, embora na classe de núcleo fornecedor de commodities baratas (“Capital do Cacau”).
Embora as fontes não identifiquem um único indivíduo como “o banqueiro” de Ilhéus, elas mencionam Nicodemos Barreto em um contexto de grande importância econômica e bancária em Itabuna, um município cuja economia está intrinsecamente ligada à de Ilhéus por meio do cacau.
Destaque sobre Banco e Empresário Relacionado à Ilhéus
Nicodemos Barreto (Empresário e Banqueiro)
- Matriz Bancária: Nicodemos Barreto é mencionado como tendo a Casa Bancária Nicodemos Barreto Ltda., cuja matriz funcionava na cidade vizinha de Itabuna.
- Negócios do Cacau: Além da atividade bancária, ele é um importante fazendeiro. A Fazenda Progresso, e outras 76, de sua propriedade, dedicada à cultura do cacau, é citada como um objetivo de turismo em Itabuna, distando 4 quilômetros do centro da cidade.
Bancos em Ilhéus
Ilhéus possuía um movimento bancário intenso e era uma das principais praças comerciais do Estado. Em 1956, a cidade contava com quatro matrizes de bancos e cinco agências, além da Caixa Econômica Federal.
Os principais bancos e agências em funcionamento na cidade de Ilhéus (ou relacionadas a ela) em meados do século XX registraramSaldo das Contas em 31/12/1956 (em milhares de Cr$)Caixa: 34.338; Empréstimos c/c: 127.146; Títulos descontados: 219.883; Depósitos à vista e curto prazo: 282.797; Depósitos a prazo: 16.902:
Movimento e Significado:
O giro financeiro-comercial nos bancos de Ilhéus em 1956 atingiu a cifra de 2.740 milhões de cruzeiros, (valor atualizado estimado entre R$ 1,3 bilhão a R$ 1,5 bilhão, dependendo do índice e metodologia usada) cifra que demonstra a real importância econômico-financeira, e o intenso movimento bancário reflete onível econômico da cidade como o outrora maior exportador de cacau no mundo.
A prosperidade da região de Ilhéus, baseada principalmente na cultura do cacau, impulsionou o desenvolvimento de estruturas financeiras robustas, tanto na própria Ilhéus quanto em centros adjacentes, como Itabuna (onde o Banco de Ilhéus possuía uma agência instalada desde 1955).
Metáfora:
Os bancos em Ilhéus, com seu intenso movimento financeiro e várias matrizes, funcionavam como o sistema circulatório da “Capital do Cacau”, processando e distribuindo crédito, seiva econômica gerada pelas vastas plantações de cacau que se escoavam pelo porto, garantindo que a riqueza gerada fluísse por todo o corpo da cidade, não apenas da região, mas sim, até da economia brasileira da época.
Os Reais Motivos daDerrocada da Economia Cacaueira Sul baiana:
Uma herança de forte concentração de renda,do abandono agrotécnico, falta de cooperativismo, crédito rural responsável e inteligência coletiva-comercial
A outrora próspera região cacaueira do sul da Bahia, com epicentro em Ilhéus, vive hoje os reflexos de décadas de decisões econômicas e políticas que comprometeram seu desenvolvimento socioeconômico. O colapso da lavoura cacaueira não pode ser atribuído a um único fator, mas sim a uma série de eventos que, juntos, desenharam um cenário de concentração de riqueza, abandono rural e desestruturação institucional.
Concentração de renda e o bloqueio ao desenvolvimento local
O acúmulo de capital nas mãos de uma elite restrita, ensimesmada, usurável, egoísta, de mentalidade e valores exógenos, e, com falta de visão e crença no futuro sustentável ao longo das décadas, impediu que os frutos da economia cacaueira fossem distribuídos e multiplicados de forma equitativa. Essa concentração de renda gerou um modelo de desenvolvimento excludente, com um tecido social frágil, onde o progresso não alcançou a maioria da população local, perpetuando desigualdades e limitando o crescimento regional. Daí, até os políticos que vieram a nos dominar, acabou sendo de forasteiros; como é o caso da cidade de Ipiaú, que vem fazendo uso dos medíocres e vendáveis cabos eleitorais locais, de aluguel, disponíveis nas prateleiras da politicagem e serventia cifrônica, via clientelismo de quinta categoria.
Infraestrutura precária e falta de planejamento urbano
Ilhéus, apesar de sua importância histórica e econômica, sofreu com a ausência de investimentos em infraestrutura urbana e logística. A falta de planejamento estratégico comprometeu a capacidade da cidade de se adaptar às transformações econômicas e de atrair novos empreendimentos, tornando-se refém de um modelo estagnado.
Ciranda financeira e o abandono das roças
Nos anos 1980, parte da elite produtiva migrou para o mercado da ciranda financeira, atraída pelos lucros rápidos e mágicos do overnight. Produzir pra quê, se os rendimentos dos CDBs chegavam a 84% em um único mês, sem precisar sequer deixar o conforto e luxo de Salvador, RJ e até Paris? O fim da Conta Movimento, decretado “por Pedro Parente”, cortou o vínculo direto contábil-financeiro sem lastro, entre o Banco do Brasil e o Banco Central, encerrando repentinamente o acesso a fonte de crédito abundante, velado e manhoso e fácil, e assim, contribuindo para o abandono de vez das lavouras. A queda na produção de cacau já era evidente em meados de 1986, e a chegada da praga Vassoura-de-bruxa, cerca de três anos e meio depois, apenas acelerou o esperado colapso sistêmico de grande vulto resultante (embora esse “pequeno detalhe” de lapso temporal, não conste ainda nos livros de história estatal).
Dólar fraco e cacau desvalorizado: o golpe final
A desvalorização histórica do dólar, que perdeu 97% de seu valor real desde 1913, somada à baixa cotação do cacau na bolsa de Nova York, que chegou ao piso US$ 965 por tonelada, minou a competitividade da economia exportadora de Ilhéus. A queda nos preços internacionais tornou insustentável a manutenção das lavouras, agravando ainda mais a crise.
Meação e heranças: fragmentação da terra e da produção
O sistema de meação, que dividia a produção entre proprietário e meeiro, tornou-se símbolo do abandono da lavoura. Além disso, a repartição hereditária das fazendas ao longo dos séculos gerou propriedades cada vez menores, incapazes de sustentar economicamente os herdeiros, que migraram para outras profissões, como comércio, política e serviços liberais. Hoje, os Meeiros sobrevivem dos programas assistenciais e previdenciários do governo federal. Se cortar o BPC e Bolsa Família… as lavouras de cacau, vão voltar a se confundir com a própria Mata Atlântica, em abandono selvagem.Ontem, ao chegar a uma tradicional fazenda, podia-se perguntar: Quantas carteiras de trabalho assinadas tem nessa fazenda? Hoje, ao encontrar uma mísera carteira de trabalho, devemos perguntar: Quantas fazendas estão penduradas nessa carteira? Rezando para o MPT não vir este ano ainda. Cuja visita técnica, será ainda mais devastadora que a histórica e consequente ação burocrática-financeira conceitual do Pedro Parente do diabo S/A.
Ceplac: da vanguarda à burocracia federal e a inércia do contribuinte local
A transferência da Ceplac, órgão técnico de apoio à cacauicultura, para a esfera federal resultou em sua descaracterização. O que antes era um centro de excelência tornou-se um “cadáver institucional”, sem rumo e/ou cemitério definido, incapaz de responder às demandas do setor.
A maldição da noviça tradição das Festas Populista-eleitorais multimilionárias e ausência vergonhosa do apoio técnicoagrícola municipal
Enquanto a lavoura agoniza, prefeituras da região optam por investir milhões em festas e cachês de artistas, negligenciando a assistência técnica, o cooperativismo e políticas públicas voltadas ao fortalecimento da agricultura. A falta de apoio institucional contribui para o isolamento dos pequenos produtores e para a perpetuação da crise. Além da baixa manutenção das estradas vicinais adequadas ao escoamento da produção rural.
Os últimos e parcos empresários ainda responsáveis, foram historicamente afastados do poder decisório municipal
Desde 1974, com a “profissionalização” do cargo de vereador e a introdução de remuneração conforme padrões de viés Celetista, as Câmaras Municipais passaram a atrair um novo perfil de ocupantes (a plebe rude populista, tipo vereador útil-atravessador, apoiador sistêmico de aluguel, do executivo operador do sistema, na função de fura fila dos serviços públicos desleixados). Para muitos críticos, esse processo abriu espaço para uma ocupação massiva por indivíduos sem preparo técnico, compreensão, responsabilidade sistêmica, orçamentária e tributária, ou compromisso público, o que teria contribuído para a degradação da qualidade e efetividade legislativa local. Em nome de uma DEMOcracia formal, que alguns chamam de “estelionato eleitoral” instalou-se, segundo essa visão, um cenário de oportunismo político e retrocesso institucional-rentista.
Na década de 1990, em busca de transferir suas fábricas para regiões do mundo com moedas locais desvalorizadas e mão de obra barata, os controladores globalistas transnacionais, ofereceram ao Brasil o papel produtor comercial, que hoje ainda é ocupado pela indústria chinesa, que foi a opção da implantação das ZPEs (Zonas de Processamento e Exportação) que chegou a ter um pontapé inicial em Ilhéus, quando veio uma fábrica americana de monitores para computadores. Exatamente a mesma engenharia fabril, comercial e monetária que veio a se estabelecer em ZPEs nas imediações de Hong-Kong na china.
Conclusão
A decadência da região cacaueira é resultado de um conjunto de fatores e sucessivos erros históricos, econômicos e políticos que se entrelaçam. Sem uma reestruturação profunda, que envolva planejamento, apoio técnico e redistribuição de oportunidades, Ilhéus e seu entorno, continuarão a sobreviver à sombra de um “passado glorioso”,e de um presente marcado pela estagnação de viés decadente.
Afinal, sim, foram eles, os coronéis do cacau que ergueram uma região responsável, por décadas, por mais de 2/3 da riqueza gerada no estado da Bahia. Como qualquer ser humano, cometeram erros e também tiveram acertos. Inclusive, alimentaram grandes sonhos: como a construção de um porto promissor, o recolhimento da taxa de 15% (depois reduzido para 10%) sobre a produção cacaueira exportada para financiar a Ceplac e o desejoso progresso (1957), e assim, ter uma vida mais digna para seus filhos e netos. No entanto, infelizmente, não conseguiram perceber que toda monocultura tem prazo de validade, como já havia ocorrido com o ciclo do café no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Teve ainda a perda de domínio político-econômico-tributário do Estado da Bahia e seus burocratas exploradores originários da capital, Salvador.Vale ainda lembrar o antigo adágio popular: a primeira geração constrói, a segunda desfruta, e a terceira, normalmente destrói. Embriagada pelo prazer inconsequente, alheio à produção e a sustentabilidade da riqueza herdada.
O ser humano tem esse defeito de fábrica – quando está perto demais, até ver o entorno, mas não o enxerga necessariamente! A sensibilidade e a percepção são anestesiadas pelo excesso de eventos ao redor. Na guerra, com o sangue quente, ao ter uma perna decepada por uma bala de canhão, “não dói” tanto, quanto um certo tempo depois, podendo vir a ter uma dor insuportável pela perda.
A solução talvez, não passe necessariamente, em primeiro, pela expulsão dos atuais políticos forasteiros exploradores, via nossos irmãos subservientes de aluguel, mas sim, e bem antes, decepar essa pseudo esperteza, malandra malemolência, apoiado na falsa vantagem individual, que tem dominado a mente, a ação e a alma de nosso povo.
Nota:O site Ipiaú TVtem diversos outros artigos de foro regional que poderão trazer informações e debates de grande valia para a sua vida e/ou negócio. Não deixe de ler e compartilhar nossas publicações, acessando o site https://www.ipiautv.com.br/category/coluna-olhar-urbano/
Além disso, não esqueça de deixar seu feedback nos comentários abaixo. Sua avaliação, crítica e contra argumentação é muito importante para nosso ajuste em prol duma maior assertividade, aprofundamento e aprimoramento de cada tema abordado;
Para os mais astutos, sugerimos assistirem aos vídeos abaixo, (disponíveis no YouTube) como reflexão complementar a leitura.
As opiniões e valores expressos nos vídeos a seguir, são de inteira responsabilidade dos seus respectivos autores. Todos os vídeos são públicos e estão disponíveis na plataforma do YouTube.
Elson Andrade –é arquiteto, urbanista, empresário e pós graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.