
O clima na educação de Ipiaú (BA) é de profundo contraste. Enquanto a Prefeita Laryssa Dias e a APLB Sindicato Ipiaú celebram publicamente a parceria e o compromisso com a valorização docente, um evento custeado pela prefeitura na última sexta-feira (17), a “Tardezinha do Professor”, reacendeu o debate sobre as prioridades da gestão municipal e o uso de recursos públicos.
A celebração ocorre em um cenário já tenso, marcado pela queda nos indicadores de qualidade de ensino e pela fiscalização do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) sobre supostas irregularidades na gestão da educação, conforme noticiado em agosto.

A Contradição da “Tardezinha do Professor”
Em suas redes sociais, a Prefeita e o sindicato postaram mensagens de valorização. A nota, idêntica nas duas páginas, afirma: “A educação é a base de tudo, e nossos professores são os grandes protagonistas desse processo. Hoje celebramos com alegria, reafirmando o respeito, o diálogo e o compromisso de continuar valorizando cada profissional que transforma vidas por meio do conhecimento.”
No entanto, a realização da festa da última sexta-feira, promovida pela Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) na Fazenda Laurena, gerou críticas e uma denúncia formal ao Ipiaú TV por um professor da rede, que preferiu não se identificar. O evento, que contou com buffet, apresentações musicais e aulashow, é questionado por seu custo em um momento de dificuldades na rede.

O ponto de maior indignação e foco de denúncia é o custo com transporte e a contradição nas prioridades. Informativos internos obtidos pela reportagem mostram que a SEMEC custeou o deslocamento de servidores, com ônibus e vans saindo de diferentes municípios da região, como Jequié, Jitaúna, Córrego de Pedras, Ibirataia e Ipiaú.

A Secretária de Educação, Erlândia Souza Santos, havia solicitado recentemente a redução de despesas com viagens, gratificações e horas extras, orientando as unidades escolares a economizar até mesmo água e energia.
“Enquanto pedem para a gente economizar papel, água e até energia, a prefeitura abre os cofres para festa”, afirmou o professor denunciante.

A denúncia levanta a questão da legalidade do uso de veículos públicos para fins que não se enquadram em atividades pedagógicas ou administrativas essenciais, o que pode contrariar os princípios de economicidade e finalidade pública previstos na Constituição Federal. Eventos e confraternizações podem ser enquadrados como ações de valorização, mas exigem justificativa técnica e previsão orçamentária clara, respeitando a Lei do Fundeb, que direciona no mínimo 70% das verbas para a remuneração dos profissionais e o restante para manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE).
O Cenário de Crise na Educação
A controvérsia sobre os gastos se intensifica diante do cenário de crise já conhecido na educação municipal:
- Queda no IDEB: Os indicadores oficiais apontam para um declínio no aprendizado dos alunos. A nota de Ipiaú no IDEB 2023 ficou abaixo das metas do MEC e das notas alcançadas em 2021.
- Fiscalização do MP-BA: Em agosto, o Ministério Público instalou o Procedimento Administrativo nº 657.9.169147/2025 (cujo prazo de conclusão é de um ano) para fiscalizar a gestão, motivado pela queda no IDEB e denúncias sobre a aplicação de recursos. A APLB figura como noticiante deste processo de investigação, gerando um paradoxo com o tom de parceria celebrado na postagem.
- Dificuldades Estruturais: Conforme relatos de servidores, escolas e creches precisam de manutenção, o transporte escolar apresenta falhas e a merenda é, em alguns casos, insuficiente.
- Clima de Insatisfação: O professor denunciante relatou um “clima de medo e insatisfação” na rede, mencionando denúncias anteriores de assédio moral e destacando que a prioridade da categoria é “respeito e condições dignas de trabalho, não só festas”.
A reportagem do Ipiaú TV ressalta que, embora não haja comprovação de irregularidade formal no momento, o uso de transporte e a realização do evento festivo em meio a um quadro de crise estrutural na educação e de fiscalização do MP-BA reacende o debate: a gestão busca a valorização efetiva dos professores ou apenas uma autopromoção política em meio às dificuldades do ensino público? Os órgãos competentes, como o MP-BA e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), têm o dever de apurar a aplicação dos recursos públicos neste caso.