
Com os festejos juninos movimentando milhões de reais em diversas cidades da Bahia, tanto no interior quanto na capital, um comportamento chama a atenção: a empolgação quase lúdica da população com os grandes eventos promovidos pelas prefeituras durante o São João e São Pedro 2025.
Entretanto, em um estado cuja economia local ainda depende fortemente da importação de bens e serviços, e onde os tributos já estão embutidos nos preços dos produtos, a aparente indiferença em relação aos elevados gastos públicos com festas levanta reflexões importantes.
Para compreender melhor esse fenômeno, a equipe do Ipiaú TV conversou com a psicóloga Dra. Juliana Mello, profissional renomada em Salvador, que nos ajudou a entender os mecanismos psicológicos que influenciam essa percepção coletiva.
Entrevista com a Dra. Juliana Mello
Ipiaú TV: Dra. Juliana, mesmo com pouco contato direto com o pagamento de impostos, observa-se uma grande aceitação dos gastos públicos com festas juninas na Bahia. Quais fenômenos psicológicos explicam essa aparente desconexão?
Dra. Juliana Mello: Essa é uma questão muito interessante que envolve diversos vieses cognitivos. O principal é o que chamamos de “ilusão da não tributação”. Como os impostos estão geralmente embutidos no valor final dos produtos e há pouca cultura de exigir nota fiscal, muitas pessoas não percebem que estão pagando tributos. Isso é bem diferente, por exemplo, de um boleto de IPTU ou da declaração de Imposto de Renda. A ausência de um pagamento visível cria a sensação de que o governo está oferecendo a festa gratuitamente.
Ipiaú TV: Então, quando o cidadão não percebe esse pagamento, a festa passa a ser vista como um benefício sem custo?
Dra. Juliana Mello: Exatamente. E aqui entra outro viés, o da “disponibilidade”. O que está mais evidente para a mente das pessoas é o benefício imediato da festa: a música, a dança, a culinária, o lazer em família. Já os custos são abstratos e difusos. Não se vê o dinheiro saindo diretamente do bolso. A alegria e o orgulho local acabam sobrepondo qualquer análise sobre a origem dos recursos. Naturalmente, nossa mente prioriza o prazer do presente e tende a evitar reflexões mais complexas de longo prazo.
Ipiaú TV: O valor cultural das festas juninas também influencia essa percepção?
Dra. Juliana Mello: Sem dúvida. Essas festas têm um peso simbólico e afetivo enorme. Elas reforçam tradições, fortalecem o senso de comunidade e representam uma parte importante da identidade regional. Quando o poder público investe nesses eventos, há uma leitura emocional de valorização da cultura local. Isso gera um sentimento positivo que, muitas vezes, minimiza a preocupação com os gastos.
Ipiaú TV: A falta de informação ou de engajamento sobre como o dinheiro público é gerido pode contribuir para essa visão?
Dra. Juliana Mello: Sim, esse é um fator relevante. A baixa transparência em alguns casos, aliada à complexidade do sistema tributário, pode afastar o cidadão do entendimento sobre como os recursos são arrecadados e aplicados. Quando não há clareza, prevalece a ideia de que “quanto maior a festa, melhor”, pois o custo individual parece invisível, enquanto o benefício é vivido de forma direta.
Cachês Artísticos e a Psicologia da Valorização
Ipiaú TV: Dra. Juliana, outra questão observada é a diferença nos valores pagos a artistas locais e a atrações nacionais. Em alguns casos, cachês de fora são até 60 vezes maiores. Por que isso ocorre e por que, aparentemente, há pouca reação contrária?
Dra. Juliana Mello: Esse comportamento está relacionado a outro viés cognitivo: o da valorização do que é percebido como raro ou externo. O artista local, por ser acessível e presente no cotidiano, pode ser menos valorizado inconscientemente. Já o artista nacional ou internacional traz uma aura de exclusividade e status. Para muitas pessoas, estar em um evento com uma celebridade é motivo de orgulho e até uma forma de projeção social. Já os artistas locais, embora talentosos, enfrentam o desafio da proximidade, o que, paradoxalmente, reduz o seu valor simbólico.
Ipiaú TV: E como os próprios artistas locais reagem a isso?
Dra. Juliana Mello: A reação pode ser variada. Alguns se sentem desvalorizados, outros veem a presença de grandes atrações como uma vitrine para o próprio trabalho. A valorização do “forasteiro famoso” é algo enraizado na cultura brasileira e não é uma exclusividade da Bahia. Esse padrão cultural contribui para uma aceitação quase automática das disparidades, mesmo que elas não sejam discutidas com profundidade.
Reflexão Final
A análise da Dra. Juliana Mello nos mostra que a relação entre o cidadão e os gastos públicos em festas tradicionais é moldada por uma complexa rede de fatores psicológicos, culturais e sociais. Muito além das cifras, estamos falando de valores simbólicos, pertencimento e percepção subjetiva de benefícios.
Para encerrar a reportagem, ouvimos também o popular “Antônio do Peixe”, que nos ofereceu uma resposta bem-humorada sobre o tema. Perguntado sobre como explicaria essa percepção da população, ele respondeu com um ditado que ouviu em Minas: “É a filosofia da ‘Nudeis’”. Curiosos, perguntamos o que isso significava. E ele disse: “É tudo que não é no meu”.
Participe da Conversa
Caro leitor, quais outros comportamentos culturais você percebe que influenciam a aceitação dos gastos públicos?
- Há influência de preferências políticas?
- Vantagens concentradas em determinados grupos?
- Falta de transparência sobre os investimentos?
Deixe seu comentário e contribua para o debate! Nossa missão é informar, com base em dados públicos e fontes confiáveis, sempre com responsabilidade e respeito.